domingo, julho 30, 2006

Valsinha

Um dia ela chegou tão diferente do que costumava chegar. Olhou-o nos olhos, não os desviou, nem fugiu. Convidou-o para dançar. E ele, meio sem graça, pisou em seu pé quando estavam a valsar. E ela, que não desistia facilmente, prometeu lhe ensinar. Devagar, um-dois-um, não há porquê se apressar.

Um dia ela chegou tão contente que ele quis saber o que acontecia. E ela, cheia de graça, logo lhe explicaria. "Eu vou dançar pelo mundo e quero saber: se eu te chamasse, você viria?" E ele, meio sem graça, disse que não poderia: "Mal sei um-dois-um. Não quero estragar sua alegria."

Um dia ela voltou e, ao descobrir o que acontecera, chorou. Bêbado e saudoso de sua amada, ele meteu-se a bailar com a mulher do atirador de facas do Circo Moscou. E o atirador de facas, que gabava-se de nunca ter errado, desta vez também não errou. Vinte e cinco anos em regime fechado, pelo seu acerto, foi o que pagou.

Oras, zombar do próprio destino é para quem não atina, pensou ela. Aproximou-se do céu, do sol e da luz ao olhar pela janela. E o que acontecera com a mulher do atirador de facas, aquela cadela? Fugiu com alguns ciganos até uma cidadela. Lá decidiu abrir uma quitanda e foi formando clientela. Diziam nunca ter visto quitandeira tão simpática e couve tão bela.

Um dia, achando essa vida injusta, ela já nem teve vontade de chegar. Esse vai-e-vem desmedido estava a lhe cansar. Decidiu que já era hora de deixar para lá. Um-dois-um, voltou a dançar. Cada ponto aumenta um conto e é difícil terminar. Sem um final, triste ou feliz, preferiu continuar. Só saber um-dois-um não é defeito e não deve vergonha causar. Vergonha ela tinha de toda a gente que leva a vida desse jeito meio sem graça, sem nada arriscar. Aplausos para a bailarina, aplausos. Nunca é tarde para recomeçar.

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