domingo, maio 30, 2004

POEMA Nº 20

(Pablo Neruda)

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros, ao longe".
O vento da noite gira no céu e canta.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu a quis, e às vezes ela também me quis...
Em noites como esta eu a tive entre os meus braços.
A beijei tantas vezes debaixo deste céu infinito.
Ela me quis, às vezes eu também a queria.
Como não amar aqueles grandes olhos fixos?
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi.
Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como o orvalho na relva.
Que importa que meu amor não pudesse guardá-la?
A noite está estrelada e ela não está comigo.
Isso é tudo.
Ao longe alguém canta. Ao longe.
Minha alma não se contenta com tê-la perdido.
Como que para aproximá-la, meu olhar a procura.
Meu coração a procura, e ela não está comigo.
A mesma noite que faz branquear as mesmas árvores.
Nós, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a quero, é verdade, mas quanto a quis.
Minha voz procurava o vento para tocar o seu ouvido.
De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
Sua voz, seu corpo claro. Seus olhos infinitos.
Já não a quero, é verdade, mas talvez a quero.
É tão curto o amor, e é tão longo o esquecimento.
Porque em noites como esta eu a tive entre os meus braços,
E minha alma não se contenta com tê-la perdido.
Ainda que esta seja a última dor que ela me causa,
e estes, os últimos versos que lhe escrevo.

Um comentário:

Anônimo disse...

muito foda!